Estava no início da minha profissão de designer gráfica e eu era a garota suburbana que tinha que provar sempre pro pessoal da agência do Leblon que estava apta ao cargo. Sem grana, garimpava peças interessantes para compor meu estilo de designer. Um dia eu morri de amores por uma mule verde besouro cintilante e a desejei muito. Consegui tê-la na liquidação, e fui toda feliz mostrar o achado que deixaria meus looks incríveis com a colega do escritório.
Ela olhou o sapato com desdém e lançou: “você tava falando outro dia que não tinha grana pra estudar inglês. Ao invés de gastar com sapatinhos, invista no seu estudo”. Me senti péssima, como se eu estivesse proibida de também desejar, essa necessidade de pertencer para vislumbrar um cargo melhor, e como se deixar de comprar o sapato me faria ter grana pra pagar um curso de meses.
Essa mesma colega estava sempre vestida do seu traje oficial tênis + camiseta + jeans. Eu achava o máximo a sua fidelidade ao estilo, despojada e cool. Até que um dia, na copa, ouvi outros colegas comentarem “e fulana né? Tá sempre com aquela mesma roupinha e tênis. Se eu fosse ela, pegava a grana que ela só gasta estudando para comprar peças melhores”.
Já gastei com roupas o que poderia ter economizado pra vida. Já economizei por anos pra fazer viagens e cursos de formação. Mas continuo sem falar inglês fluente 😬 Talvez meu estilo fosse minha sobrevivência, mais que o inglês, que sempre me virei. Talvez. Talvez essa amiga quisesse muito mostrar seu valor, e isso não seria compatível com as tais futilidades da moda. Talvez ela desejasse que mulheres fossem independentes financeiramente e por isso não deveriam ceder a apelos consumistas, talvez ela fosse alguém prático apenas hahah
Vinte anos depois desse causo, já vi tanta reprodução de opressão a mulheres baseada nos seus desejos e o que se supõe que seja prioridade pras suas vidas; nos estereótipos do que se espera de mulheres comprometidas com suas carreiras e a medição social da importância que dão a isso. No final, não importa o que queremos provar: não existe escapatória do ônus de ser mulher.
(jamais esquecendo o recorte racial e social que traz muitas outras camadas)
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