Há quase dez anos eu escrevi um dos posts mais emblemáticos do blog, sobre a banalização dos cem reais. Eu mudaria algumas coisas desse texto original, mas resolvi escrever a atualização dele para a dura realidade dos tempos que vivemos: a era da banalização dos mil reais, chegou. E eu, que ainda estava com o pensamento nos cem reais, fico chocada como a coisa só piorou com o passar dos anos e nem meu pensamento conseguiu alcançar tamanho absurdo.
É uma realidade triste demais.
Eu estava olhando os perfis de algumas pessoas que sigo nas redes, e tenho visto em comum uma série de looks mais simplificados, com rasteirinha, blusinha e uma calça molinha. Pensei: “Puxa! Essas marcas devem ser slow fashion, que bacana, vou olhar”. E nessa visita animada aos sites e e-commerce, eu caí pra trás: um top (TOP, gente, TOP tipo bustiê, simples, sem nada) por MIL REAIS.
Tudo no site custava mais de mil. Não tinha nada super elaborado, algo que justificasse o valor cobrado. Ok, entendo demais sobre criações sob demanda, valorização da cadeia de produção, tecidos de qualidade, modelagem, mas também entendo que existe toda uma historinha que é contada para justificar a cobrança de certos valores, inacessíveis para quem desejamos que seja inacessível.
Como disse uma seguidora, galera fazendo cosplay de pobre, pagando de desapegado, minimalista, garimpeiro de brechó, eco vegano etc, mas continua financiando disparidades sociais quando se torna banal pagar o valor de um salário mínimo em um pedacinho de pano. A moda segue infelizmente elitista, transformando o que era pra ser simples em pedaços superfaturados, justificados pelo selo da sustentabilidade.
Sustentável não é sinônimo de caro. Não é MESMO. Ser minimalista também não. O simples virou ferramenta de marketing.
O nosso poder de compra foi usurpado e reduzido, e voltando a surgir questões ainda mais sérias, com 19 milhões de famílias sofrendo de insegurança alimentar, sem saber se terão janta ou almoço, com a cesta básica muito mais cara e itens como carne saindo do cardápio do brasileiro.
Mas onde entra roupa nessa história?
Gente, todo mundo precisa se vestir. E é igualmente desumano não considerar que famílias não tenham poder de escolha, porque o vestir deve ser levado em conta para uma recolocação profissional, para uma entrevista de emprego, para atender algum desejo legítimo (afinal, as pessoas têm direito de desejar itens de consumo), seja por questões práticas, como alteração de tamanho de manequim.
A pandemia agravou de forma extremamente desigual o cenário, principalmente para mulheres, já que 50% tiveram que abrir mão dos seus trabalhos para cuidar de alguém. Por mais que saibamos sobre os malefícios do consumismo e que ninguém precisa de tanto no armário, não é um discurso simples assim, por compreendemos que vivemos em um sistema que julga, cobra e exige de mulheres – e isso inclui a imagem pessoal.
Eu, como mulher branca e magra, consigo fazer escolhas que eu sei que não passam pelo poder de decisão de mulheres negras, de mulheres gordas – afinal, sempre pude escolher uma maquiagem sem que meu rosto acinzentasse, sempre pude recusar comprar roupas na loja X porque eu sei que teria outras opções para o meu tamanho. Eu, que sempre tive escolha, me vejo em um momento mais difícil da vida sem meus cursos, com uma bebê pequena, com meu faturamento chegando a zero em alguns meses desse ano. Tenho vontade de fazer ajustes no meu vestir, mudanças da vida e tal, mas desanimei completamente. Como gastar uma grana alta sem saber os rumos daqui pra frente? Eu tenho roupas de qualidade e que amo e ainda funcionam, mas, novamente, nem todo mundo tem. E como faz?
Antes um vestido de festa eu garimpava por 300 reais. Inimaginável saber que esse é o preço que se paga hoje por uma camisetinha. Vestidos de festa normalmente são mais elaborados, com detalhes, costuras, pregas, botões, mas uma camiseta? Uma blusa básica? Sério isso? Uma leitora também comentou comigo: “Sempre me pergunto quanto custa o manufaturado, com bom tecido e produção justa e ecológica. Até onde é isso que eleva o valor do produto?”
Mesmo que você use duas mil vezes a blusa pra justificar, é uma questão de princípios escolher não pagar isso. Não que estejamos proibidas de gastar nosso dinheiro onde bem entendermos, mas consciência de classe vai bem, obrigada. Ninguém é melhor do que ninguém porque veste uma blusa sustentável, mas por compreender o momento que vivemos e saber se suas escolhas reverberam para alimentar essa disparidade social. É entender de onde você veio e valorizar essas escolhas, o que se tem, fazer durar, sem a alta rotatividade do comprou, nunca usou, está com etiqueta e vendeu.
E, veja, minha crítica não é sobre indivíduos específicos ou atacando marcas autorais. Eu sei dos impostos e do trampo que é. Mas pensemos sobre os rumos que algumas coisas continuam tomando e o quanto, cada vez mais, nossas escolhas precisam ser políticas. Em dez anos, saltamos da discussão dos cem reais para os mil reais – e esse assunto ganhou uma escala de progressão absurda demais, não acham?
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