Ainda rendendo o post O que te deixa frustrada? com os comentários colaborativos de vocês, mas teve um comentário em especial no último post da série, da Raquel, que traduziu muito bem o momento que vivemos quando falamos em moda:
“Acho que a facilidade de produzir e distribuir moda trouxe uma enxurrada de “tendências”, de novidades, tudo muito rápido e descartável. Há uma década as coisas demoravam mais, eram menos acessíveis e, por isso mais básicas. Ninguém podia torrar grana com algo e deixar de usar no mês seguinte.
Agora a maioria das pessoas consegue comprar roupas, ainda que sejam peças ruins, com muito mais frequência. Então todo mês tem novidades, tem tendência nova, mas tudo tão rápido que a novidade se torna repetitiva. Ao invés de ter novidades, gente construindo seu estilo, acontece o contrário. A enxurrada de novidades, que nem consegue ser mais novidades, a massificação, tudo leva a uma dificuldade de se construir um estilo. Eu não queria um sapato metalizado, mas vi tanto que passei a querer. Comprei um tênis que foge um pouco dos modelos mais replicados pois sei que logo isso vai estar datado. E o pior, eu mesma estarei cansada de ter visto tanta peça prateada. A gente cansa das peças pois todo mundo está igual, cansa o olhar.
Não sei se ficou claro meu comentário, mas acho que a facilidade de se produzir trouxe um problema quando se deixa de ver roupa como apenas vestir, mas como forma de se expressar. Nós não estamos prontos como consumidores e quem produz não está pronto pra esse novo cenário. Acho que precisamos insistir em criar um estilo, em nos apegar ao nosso guarda-roupa, conhecer o que tem lá dentro, o que funciona. Se nossa postura como consumidora mudar, talvez o mercado também mude.”Raquel, nos comentários deste post.
Um exemplo é essa foto, registro da minha ida às lojas no final de semana em São Paulo: minha amiga sugeriu passarmos na Zara para achar a tal linha ~sustentável com tecidos orgânicos e reciclados, para vermos de perto qual é. Bom, não tinha nada dela ainda, mas passeamos pela loja para reparar nas tendências: muuuuuuuuuuuito veludo (veludo everywhere, na mochila, na blusa, no sapato, no acessório, socorro), muuuuuuuuitos babados, também em tudo que é lugar, na blusa, nas mangas das blusas, nos vestidos, na barra da calça, no sapato (!!), muita transparência, chinelos com pompons, bordados e silk nas calças e jaquetas…
Esse outono inverno será bem over com tanto frufru e textura, pensei. Saímos de lá falando mil coisas do que vimos, aí entramos na Renner e parecia que tínhamos voltado nas araras da Zara – dadas as suas devidas proporções, porque a Renner era bem menos elaborada. Os mesmos babados, os mesmos frufrus, os mesmos babados na barra da calça (cigarrete!), também silk floral nas calças, e mais veludo, veludo….veludo.
Novidades que deixaram de ser novidades pra gente em menos de meia hora.
Mas não quero me estender sobre repetição – e não, não pude evitar eu mesma ser repetitiva nesse assunto! Eu acho legal sim termos opções pra todo mundo, mas essa moda te conduz a boas histórias ou te traz apenas o sentimento de pertencimento, de estar se adequando ao que está sendo ditado e não ao seu estilo?
Certamente essa moda tende a te confundir e te descolar das suas reais necessidades e vontades, e se tornará dispensável da sua vida em questão de meses. Não que eu queira meu armário sempre do mesmo jeito, gosto de novidades, mas quais são os seus critérios para as suas escolhas? Como essa oferta e diversidade de produtos têm te atendido?
NA CONTRAmão do efêmero
Estávamos no shopping porque fomos conhecer o Mercado Manual, feira de artesão contemporâneos que estava rolando no Morumbi. Eu estava animada para ver de perto algumas marcas de slow fashion que eu só seguia pelas redes sociais, e uma delas era a Comas, marca de upcycling da uruguaia Augustina Comas, que recupera camisas masculinas que não passam pelo controle de qualidade das fábricas e que iriam acabar desvalorizadas, vendidas em bazares, por conta de defeitos como pequenas manchas e furos, e as transforma em peças femininas.
Augustina teve uma super escola trabalhando com o estilista Jum Nakao, como em seu icônico desfile “A costura do invisível” e se dedica ao upcycling há alguns anos. A ideia de usar a sobra das camisarias veio de aproveitar um item tão atemporal e clássico como a camisa e dar a ela uma nova modelagem, novos usos como saias, vestidos e chemises, e deixá-las únicas, unindo com maestria duas camisas em uma só, de diferentes estampas e lavagens, dando uma forma diferente do usual.
O resultado são peças também atemporais, que, segundo Augustina para o FFW, que possam durar anos e anos, e sejam herança até para as filhas das suas clientes, criando vínculos e, pra isso, trabalham só com tecidos muito bons.
Eu tenho uma camisa da marca e eu sou apaixonada por ela. No dia da feira, conheci Augustina e Isabel e ficamos todas felizes. Dei vários abraços nelas e senti uma alegria e uma satisfação que eu sei que é raro quando falamos em consumo de moda. Nesse dia eu me senti como consumidora parte importante do processo.
As peças variam de valores entre 150 e 300 e tantos reais, o que sabemos não ser exatamente acessível. Mas o slow fashion ainda precisa enfrentar essa barreira, por conta do processo que é totalmente manual, trabalhando com quantidade super limitada e que demanda um tempo maior de confecção, pesquisa dos materiais, uma equipe reduzida e não uma facção que certamente paga centavos por unidade costurada…acho que seria o tempo de revermos a nossa relação com o consumo, porque se pararmos pra pensar, 270 reais, o preço de uma camisa de algodão e linho da marca, é o valor de uma blusa de poliéster em muita loja de “nome” e até de fast fashion.
Na minha próxima ida a SP vou tentar visitar o atelier da Comas para mostrar pra vocês (elas tem maleta que vai em domicílio e loja online!) e ver também possibilidade de aumentarem a grade, seria uma ótima!
Poderíamos contar mais também com iniciativas da Ludi – Roupa com História, atelier de upcycling que também fica em SP e pretendo conhecer em breve: na frente do ateliê fica um carrinho cheio de retalhos dentro, e fica disponível de graça para quem quiser buscar e serve para fuxico, pra patchwork, pra enchimento. Isso é agregar, é apresentar possibilidades sem fim para o reuso.
O que mais tem te inspirado a ser você mesma em meio a tanta coisa que te oprime em moda? Fazer tricô? Aprender artes manuais? Revisitar com mais carinho seu próprio armário? Dar valor aos brechós? 🙂
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